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  • Foto do escritorAlunos Unisinos

Entrevista com Gerson

Atualizado: 27 de nov. de 2018

Hoje conheci Gerson, um homem simples, extremamente educado, culto, que apesar de ter estudado até o segundo ano do ensino médio, conversa sobre tudo, fala inglês, que aprendeu sozinho, quando ganhou um dicionário e ajuda de um patrão de sua mãe. Quando questionei se poderia nos conceder uma pequena entrevista ele prontamente aceitou. Arrumou os cabelos, lavou o rosto com uma garrafinha de água e veio contar uma história emocionante, que quebra preconceitos, mostra fragilidade e força ao mesmo tempo.

Nas ruas...

A história de Gerson não é diferente das muitas que conhecemos, que convivemos diariamente, se não fosse o fato de que à três anos ele mora nas ruas de Porto Alegre. Em sua primeira noite nas rua, ele se sentiu perdido, procurou abrigo na Praça da Matriz, onde recebeu auxílio de uma igreja que passou distribuindo alimentos a quem precisasse. Procurou albergues algumas vezes, mas a rotina de chegar cedo e precisar sair às seis horas da manhã não se encaixavam nas suas necessidades, visto que, o melhor horário para coletar recicláveis era a noite e sair do abrigo quente nos dias frios e chuvosos tão cedo era mais difícil do que passar a noite na rua. Dos albergues não teve outras queixas, contou que a única exigência era que a pessoas possuíssem seus documentos como carteira de identidade ou de trabalho. O único susto foi quando a brigada militar entrou uma vez em um destes abrigos e levou um foragido preso. Além de algumas brigas que presenciou. Após algum tempo no centro preferiu voltar para sua zona de conforto para morar mais perto da família e atualmente construiu uma pequena acomodação em uma das paradas de ônibus de uma avenida movimentada, e considerada por ele mais segura devido ao intenso movimento de carros e elevação no nível do chão que impede a aproximação de ratos. Segundo ele nunca sofreu nenhum tipo de violência nas ruas, pelo menos não física, pois algumas vezes quando passa com seu saco de materiais recicláveis as pessoas atravessam a rua, ou encaram com um olhar de desprezo e julgamento que causa feridas psicológicas. Conta que para evitar furtos, principalmente de seus materiais recicláveis divide a habitação com um amigo, estratégia usada por muitos em situação de rua como proteção. Após algum tempo conseguiu descobrir locais que oferecem almoços e jantas para a população de rua e procura o centro pop para banho, corte de cabelo e barba, apesar de reclamar que houve redução das vagas, que com a chegada de estrangeiros a maioria das vagas foi destinada a eles. Ele conta sem preconceitos e diz que acha que todos merecem ajuda e atenção, mas que ao invés de reduzir as vagas à população que já utilizava o serviço, o governo deveria adotar políticas de maior investimento para que nenhum se sentisse largado de lado e tratado com desrespeito.

Antes das ruas...

Não foi sempre assim, ele nasceu em Uruguaiana e veio aos cinco anos de idade para a capital com seus pais. Casou, teve quatro filhos, destes três maiores de idade e uma pequena de sete anos que vive atualmente com a vó. Como ele mesmo diz o desacelerador da sua vida ocorreu à seis anos quando sua esposa veio a falecer, deste momento em diante teve início uma depressão forte que seguida da perda do emprego de motorista colaborou para a decisão de deixar a casa em que vivia com a família. Ele visita a sogra que mora com a filha menor e ajuda como pode, com o dinheiro que recebe do INSS e do trabalho que exerce atualmente com reciclagem e bicos de eletricista, limpador de pátio e o que mais lhe oferecerem. Ele possui três irmãos dos quais leva algumas broncas por viver nas ruas, mas como ele mesmo diz não conseguiu dar um “restart” para retomar a vida em família. Gerson tentou procurar ajuda psiquiátrica e psicológica algumas vezes, mas não conseguiu encontrar no serviço público um tratamento de longo prazo, eram consultas com profissionais diferentes que só ocorriam a cada vinte dias, religioso e com um terço no pescoço, conta que mesmo na rua tenta encontrar a força para mudar de vida e que frequenta a igreja evangélica algumas vezes, mas procura as menos radicais que realmente acreditam na palavra de Deus. Ele conta que além do mercado concorrido, e a idade de 52 anos, tem medo de assumir novamente a profissão de motorista, pois exige muita responsabilidade e ele ainda apresenta alguns sintomas da depressão e dificuldade de concentração. Perguntado se sente falta de algo antes de morar nas ruas, ele é sincero e diz que sempre foi uma pessoa simples, nunca gostou de TV ou novelas, a única coisa que sente falta é de passar os domingos em casa com a família quando não estava trabalhando.

Atualmente...

Hoje ele se vê melhor organizado, diz que está encontrando mais forças e já consegue cantar, ver a virada de ano no gasômetro e sente que está chegando o momento em que encontrará o “algo mais” que precisa para voltar a ter o completo domínio da sua vida. Se pudesse escolher um futuro seria abrir um negócio próprio e ser o único responsável pelo seu sustento.

Mensagem para a população...

“Que a sociedade evoluiu em tecnologia, mas não evoluiu em humanidade. Eu penso assim, que os políticos, principalmente esses sim que devem olhar por essas pessoas, porque se hoje existe essa gama de pessoas na rua, é porque a própria política deixou isso acontecer, eles deixam acontecer, eles não fazem nada, porque nós somos a ponta de baixo mesmo da sociedade, lá do pé da sociedade, daquela pirâmide nós somos a parte de baixo, a base, na miserabilidade que estamos passando aqui e tá na hora dos políticos pensarem em fazer alguma coisa, porque se eles querem mudar alguma coisa tem que começar por nós que tá lá em baixo, para depois ir para as outras camadas, porque as outras camadas mal ou bem, já tem alguma coisa, tem como sobreviver, agora nós não. E mais uma vez pedir para a sociedade que não olhe mais com sabe, não que não olhem, ou que tentem olhar com outros olhos, tentem conversar, se aproximar, ninguém vai morder, nenhum morador de rua é um cachorro, porque é assim que a gente é tratado como um cachorro, sabe, eles ficam com medo, ninguém morde, nós não vamos morder ninguém, tentem nos ajudar, não é simplesmente um prato de comida, mas uma conversa, bater um papo, tem gente que precisa de um abraço, de uma conversa, um aperto de mão, sabe, tu não vai pegar nenhum germe, nada, com um aperto de mão, e sei lá, pedir para a sociedade que quando tiver não desperdice nada, porque o morador de rua aproveita tudo que a sociedade não quer, seja pra comer, de lixo, de reciclado, que aprenda a separar porque tem pessoas que dependem disso, acho que é isso, isso que eu posso falar. “

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