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  • Foto do escritorAlunos Unisinos

O caminho de Adão

Atualizado: 27 de nov. de 2018

Domingo, 17h30 e Sr. Adão Leomar está sentado em uma cadeira de praia em uma movimentada Avenida de Porto alegre, segurando em suas mãos um pedaço de carne de churrasco e ao seu lado uma garrafinha com suco de laranja. Assim encontramos quando nos aproximamos e perguntamos se poderíamos conversar.

Prontamente se ajeitou na cadeira na sombra de uma banca de revistas que fica há alguns metros do espaço onde mora: um local coberto com lonas que divide com a cadelinha Diana e seu amigo Genes Luiz que chegou logo em seguida preocupado com o amigo que estava sendo abordado por estranhos.

No seu relato contou que vive em situação de rua desde o ano de 1987 e seu primeiro local foi o bairro Cidade Baixa e que lá conheceu o amigo Genes que acompanhava de perto os questionamentos e que por orientação do Sr. Adão deveríamos não tentar entrevistá-lo por ser um pouco inconstante por uso de álcool e acabaria falando muita bobagem.

Atualmente está com 61 anos e conta que nunca casou, tem irmãos e tios, que ele vê de vez em quando, pois visita-os, mas não gosta de ficar na casa deles devido a situação, que é muito ruim e prefere voltar ao seu local de moradia

Tendo cursado todo o primário, gosta de leitura, apesar de estar lendo pouco nos últimos tempos.

O início na situação de rua

Já morando em Porto Alegre, a trajetória dele para a situação de rua se deu quando os pais vieram a falecer e o terreno onde moravam teve o inventário feito e após a venda o valor foi dividido entre os irmãos.

Ele se viu sem alternativa, pois o valor recebido não era suficiente para ter o seu próprio espaço.

Começou então a trabalhar na construção civil, porém, com o fim de um prédio que estava contratado, pediram que ele fosse pra São Paulo continuar os trabalhos por lá, mas não aceitou e logo após iniciou numa empresa de sucatas, estando lá se deu conta que poderia ganhar melhor se catasse diretamente na rua, visto que já estava entre ruas e albergues.

Albergues

E aqui, quando questionado sobre como são os albergues e os motivos que o fizeram optar por dormir em alojamento na rua ele disse que apesar de ser bem tratado pelos trabalhadores, gostar da limpeza do local e da comida, ainda assim pesou o fato das pessoas que frequentam esses locais. Segundo ele, lá não estão apenas pessoas de bem, mas precisava conviver com ladrões e muitos usuários de drogas o incomodavam e faziam com que não se sentisse seguro, pois na fila era comum receber ameaças daqueles que aguardavam para entrar e não queria isso para a própria vida.

Proposta de trabalho

Perguntamos então se nesse período na rua ele havia recebido alguma proposta de trabalho formal, alguma proposta para sair da rua e então ele relata algo que foi muito marcante.

Há algum tempo um homem ofereceu a ele um emprego para cuidar de uma chácara na cidade Sapucaia do Sul, no local ele seria responsável por tudo, mas a oferta de emprego envolvia apenas a moradia e alimentação, pelos seus serviços o senhor Adão não receberia nenhum centavo.

Se disse tentado a aceitar, mas se deu conta do que estava acontecendo e do tamanho da responsabilidade e trabalho que teria em troca de comida e pela idade avançada.

A vida na rua

Estando na rua desde os 25 anos contou que a primeira noite não conseguiu dormir, visto que o vento batia na lona e a cada instante pensava ser alguém o expulsando do local ou que quisesse lhe fazer mal, mas que hoje já está acostumado e não sente mais isso.

Quando relatou isso questionamos se em algum momento ele havia sofrido violência ou algum tipo de agressão, e então disse que a única coisa ruim que havia lhe acontecido foi ter sido roubado por outros que vivem em situação de rua.

O local escolhido para morar foi uma perimetral, onde está há 10 anos no total, mas no local que foi entrevistado já são 5 anos com seus pertences.

Por ser próximo de uma parada de ônibus e de uma banca de revistas, perguntamos se ele conversa muito com as pessoas que circulam por ali, e afirmou que sim, que tem muitos conhecidos, mas não considera que sejam seus amigos.

Fluindo a conversa, perguntamos como ele faz para poder tomar banho e então conta que em alguns dias enche baldes de água e leva para baixo da lona, mas que gosta mesmo é de ir no parque Marinha que possui chuveiros públicos.

Ele pega a linha T2 e desce lá, disse que gosta tanto que aproveita e toma dois sempre que se desloca ao parque.

Futuro

Adão diz que sente bem na rua quando questionado se sente falta de algo, mas pensa por um instante e fala que gostaria de ter uma peça para morar, mostra que parece ser o seu maior desejo e explica que mesmo acostumado com o lugar que está, diz: “É rua, né!”.

Quando falamos de futuro ele fala de sua aposentadoria e novamente do desejo de comprar uma pecinha para morar e quando estiver mais velhinho poder estar num cantinho seu. Relata sua preocupação com o fato do Presidente Temer ter aumentado a idade, mas como já tem algum tempo de contribuição, se informou na CEF e lhe disseram que ao completar 65 ele poderá entrar com o pedido.

Prazeres da vida

Ainda pelo Parque, gosta de assistir jogos de futebol que acontecem por lá.

Contou inclusive que o futebol é uma das atividades que mais gosta, mas que não tem mais preparo físico para tal, então assiste no Marinha, no Parcão, no estádio do Zequinha e na cidade de Alvorada no campo do Quero Quero para se divertir.

Super espontâneo ele aproveitou para contar que não gosta de bailinhos, só mesmo de festas de aniversário.

Após bons minutos de conversa e simpatia do Sr. Adão iniciei o fechamento da entrevista e ele na sua calma e tranquilidade surpreende e diz que quer passar a mensagem para aqueles que vivem o mesmo que ele e também para a população em geral.

Encantadas com o grande Sr. Adão, ouvimos:

“Gostaria de dizer para eles que a primeira coisa é parar com a bebida, cigarros, drogas. Ver as pessoas que estão junto, tomar cuidado com as companhias, chega gente de tudo quanto é lado para falar com a gente e é bom cuidar, porque a gente não conhece as pessoas“.

“Para pessoas que passam por mim, digo que agradeço a todos que me ajudam, porque indica que eles se lembram da gente e os que não me ajudam, não posso cobrar porque ninguém é obrigado a dar as coisas para gente”.

Agradecemos imensamente a disponibilidade e atenção dele, pedimos desculpas por atrapalhar o seu almoço e nos despedimos.

Ali, e a partir de então senhor Adão mudou a nossa vida.

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